Friães, a nossa Aldeia
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Contavam-me já os meus Avós estas Historias de Alegria Historias e Contos de Fadas, Lendas Cheias de Magia
 Aqui vamos retratar historias e contos infantis com anos de existência para que não caiam no esquecimento e que em muitos sejam memorizados ou recordados como lições de vida

Muitas destas histórias foram retiradas de diferentes livros sendo que muitas delas podem não ter o titulo correto,fazemos especial referencia aos contos de Bocage homenageando um homem que se proclamou da terra e que ensinou alguns destes e outros contos já por nós esquecidos Homem esse que infelizmente já não se encontra entre nós conhecido por: Senhor "Zé Barca"

A Bruxa de Trás os Montes


Era uma aldeia bastante deserta, tinha alguns habitantes dos quais alguns eram desconfiados e carrancudos, gente simples do campo sem papas na língua, todos viam os visitantes com mau olhar, pois geralmente não iam visitar o campo mas sim a famosa Bruxa que lá habitava. 
Ela habitava num lugar mais afastado da aldeia, tinha uma estrada esburacada somente de terra e nada mais, raramente passava algum carro e quando passava era em serviço para buscar a bruxa Zulmira Pitão. 
Ela ficava um pouco distante da aldeia, numa encosta os carros tinham que parar antes de chegar a sua casa que era velha, quase caindo de podre, janelas partidas, umas ainda se via a velha tinta de cor branca, outras com outros tons e cores velhas e com as tintas descascando aos poucos. Tinha um alpendre, cheio de gatos, plantas mal cuidadas, galinhas pela casa, não existia lugar algum que tivesse arrumado, tudo estava na maior confusão. 
Lembro que em frente da casa existia um lago cujas águas estavam inquinadas, fedendo mesmo, o cheiro incomodava juntamente com os milhões de mosquitos que ficavam a fazer delicias naquela porcaria. Tinha um cão sarnento, cheio de pulgas, focinho feio e todo desengonçado que dava vontade de rir. 
Ao lado existia o curral dos burros, um velho casal, segundo o povo fala que sempre existiram, mas nunca viram tanta vida assim... 
Falavam quase a praguejar: 
- Coisas de bruxas sabem lá que raio de feitiços que ela faz, melhor e nem abrir a boca senão ainda nos transforma em sapos. 
Dizia o povo sempre a resmungar.
Acho que ninguém aceitava com bons olhos a sua bruxa da aldeia, alguns queriam falar, mas todos tinham medo dela, ela praguejava tanto, que eles fechavam as portas e janelas de sua casa, quando ela passava com medo que ela atirasse algo para dentro de suas casas. Engraçado alguns colocava sal grosso e Arruda debaixo dos tapetes para que nada de ruim entrasse em suas casas. 
Às vezes escutava uma ladainha estranha, tipo proteções e rezas, para que, segundo eles protegerem as suas famílias de todos os mal do corpo e da alma. Engraçado o que uma mulher solitária produzia tanto medo, acho que ela tinha mais força que um exército em batalha.
Quando algo de mal acontecia na aldeia, tudo era culpa da bruxa, morria o gado, era a bruxa, adoecia pessoas, era a bruxa, uma verdadeira perseguição contra ela. Às vezes ela sentia revoltada demais com tanta conversa e tanto ódio da aldeia, ela jamais fez nada que prejudicasse o seu povo.
Ora certo dia uma criança adoeceu, ardendo em febre, logo outra criança começa a ter os mesmos sintomas e assim ficaram mais crianças doentes. O povo estava aflito, sem saber como fazer sem carros para transportá-las para locais com médicos e dar a devida assistência a elas. Resolveram entre todos pedir que um médico fosse a sua aldeia, mas preparado para ficar lá. 
Demoraria três dias a chegada do medico isto se não chovesse, pois ai seria o cabo dos trabalhos o carro geralmente atolava na lama e era difícil para tirá-lo de lá. Tinha uma mãe que estava aflita vendo o seu filho a perder as suas forças e quase já nem o escutava a respirar e foi em busca de ajuda. 
Quem podia ser a Bruxa Zulmira Pitão, ela com o seu coração ansioso, batendo, ofegante e de lágrimas correndo pela face completamente desesperada. A bruxa já sabia do que estava acontecer na aldeia, saiu bem cedo para a montanha, com os seus utensílios e foi cortar algumas plantas que só ela sabia que podiam curar. Quando estava a chegar a sua casa quando dá de caras com aquela mulher e que ajoelha em grandes prantos pedindo ajuda. 
Logo acede ajudar a mulher e parte com ela para a aldeia, para espantos de alguns dos seus habitantes, ela prepara algumas infusões e outros tipos de mezinhas e aplica no menino doente. Ninguém mais quis a sua ajuda esperando talvez pelos reais resultados, mas temendo que a bruxa fizesse das dela. 
Passou a noite e o menino ardia ainda em muita febre, falava em grandes delírios, nem por um segundo a bruxa abandonou o menino, sendo uma pessoa humana e até bastante meiga e simpática para espanto dos pais. Já eram sete horas da manhã e o menino começava a acalmar e baixava a sua febre, voltando aos poucos as suas cores a face, acordou mais tarde pedindo comida, dizia ele que já não comia há séculos e sorrindo para a bruxa ele exclamou: 
- Estranho esta noite eu vi um anjo vestido de branco e parecias tu. 
Sorrindo a bruxa, falou: 
- Quem sabe se não vistes mesmo um belo anjo, mas certamente não fui eu. 
Ainda ficou mais um dia naquela casa, sentindo o respeito e arrependimento daquela família que se desfaziam em amabilidades e atenções de gratidão. 
Chega o medico a aldeia, não tem mãos a medir com tanta criança doente, administrava medicamentos, fazia de tudo, mas nada fazia melhorar aquelas crianças para desespero dele. O povo estava sem saber o que fazer, alguns diziam que foi a bruxa que provocou aquilo para castigá-los, algumas mulheres mandavam calar os seus maridos com medo de vir a precisar dela. 
Passaram mais três dias sem quaisquer resultados nem sequer uma melhora daquelas crianças, o desespero já tomava conta do povo e daqueles pais incapazes de ajudar os seus filhos. Um dos homens cansado de ver que o medico nada fazia falou bem de alto e para todos: 
Falou uma mulher completamente desesperada.
- Eu pedir ajuda a bruxa, quem quiser virá comigo, não posso mais por a vida da minha filha em risco por orgulho. O medico estava renitente e exclamava: 
- Que pode uma bruxa fazer com os seus chás e suas mezinhas contra os medicamentos poderosos da medicina, somente o este povo que vive na ignorância. 
Alguns encolheram os ombros e seguiram a sua viagem e foram pedir ajuda a bruxa que logo ela se prontificou ajudar as suas criancinhas. 
Logo todas elas, melhoravam a olhos vistos, ficando todos os dias mais fortes, mais alegres. Corriam felizes todas as crianças da aldeia, aquela aldeia voltou a ser a mesma, mas não nos maus julgamentos e tratos da Bruxa Zulmira. Toda a aldeia agradeceu e fez uma grande festa em sinal de agradecimento. 
Moral da desta historia, afinal as bruxas não são tão ignorantes e nem bichos do monte, esta aqui salvou vidas com a sua sabedoria, humildade e conhecimento das plantas...


 


CHICA AMORICA

Era uma vez um pássaro chamados Chica-Amorica. Tinha o ninho e três filhos no alto de um carvalho. E cantava, feliz da vida. Chegou então a raposa e perguntou:
     - Quem está a cantar em tão alto carvalho?
    E logo o pássaro respondeu:
    - É a Chica-Amorica e seus filhos três.
    E disse a raposa:
    - Pois deita para cá um, senão alço o rabo, corto o carvalho e como Chica-Amorica e seus filhos três. Cheia de medo, a avezinha deitou um filho para fora do ninho e toda a noite chorou. No dia seguinte, voltou a raposa e perguntou:      
    - Quem chora em tão alto carvalho?
    E logo Chica-Amorica respondeu:
    - É a Chica-Amorica com seus filhos dois,
    E a raposa tornou:
    - Pois deita para cá um, senão alço o rabo, corto o carvalho e como Chica-Amorica e seus filhos dois.
     Sem parar de chorara a avezinha deitou um filho para fora do ninho. Pouco de pois passou por ali o mocho que era compadre da Chica-Amorica. Ao ouvir chorar, perguntou:
    - Quem esta a chorar no alto deste carvalho?
    E veio a resposta:
    - É a Chica-Amorica e seu filho único. Passou por aqui a raposa e disse que cortava o carvalho com o rabo e que me engolia junto com os meus filhos. Já levou dois e não deve tardar para vir buscar o último.
    O mocho disse-lhe que não se afligisses e ensinou as respostas que devia dar á raposa. E ficou por ali a passear até que apareceu a raposa. E logo veio a pergunta, mas Chica-Amorica tinha aprendido a lição e respondeu que rabo de raposa não corta carvalho. Irritada a raposa gritou:
    - Isso são conselhos do teu compadre!
    O mocho apareceu e disse:
    - Pois!
    A raposa disse então ao Mocho que pusesse um pé no chão e o outro no ar. Este a sim fez e disse:
    - Pois.
    - Agora fecha um olho e abre o outro - ordenou a raposa.
    Era o que a raposa queria. Engoliu o Mocho e desatou a correr enquanto gritava:
    - Mocho comi! Mocho comi!
    O Mocho, que tinha ficado inteiro na boca da apressada raposa, gritou:
    - Berra mais alto para a minha família ouvir.
    A raposa abriu muito a boca, o Mocho fugiu e gritou:
    - A outro, a outro que a mim não!


LENDA DAS AMENDOEIRAS

Diz a lenda que um poderoso rei mouro andou em guerra por terras do Norte frio onde a neve cobre tudo durante parte do ano. Dessas lutas trouxe consigo prisioneiros e escravos. Aconteceu porém que, entre os escravos, vinha uma jovem princesa linda, de olhos muito azuis, cabelos cor de ouro, pele luminosa e porte altivo de rainha.
    Pois foi por essa jovem que o rei mouro se apaixonou. Para ele, era a Bela Princesa do Norte. Ela era sua prisioneira, sua escrava, mas o rei, fascinado pela beleza da jovem, deu ordens para que ela vivesse livre no seu reino. "Que não a persigam, que não a molestem", foram as ordens do rei.
    A bela princesa nórdica agradeceu com um lindo com lindo sorriso e o rei ficou feliz.
    Algum tempo depois, o rei foi encontra-la em preparativos para regressar á sua terra Natal.   
    Alarmado, o jovem mouro quis saber que razões a levaram a desejar abandona-lo e ao seu reino. A Bela Princesa do Norte disse-lhe que eram muitas as saudades que sentia da sua terra onde nascera. Preso àqueles olhos azuis, logo ali o rei lhe declarou o seu amor e lhe pediu que ficasse para casar com ele pois já não podia viver sem ela.   
    Mais uma vez a Princesa do Norte agradeceu com o seu belo sorriso.
    Fez-se o casamento; as festas e a alegria pareciam nunca mais acabar. Foi no meio do último dia de festas que o rei deu falta da Bela Princesa que era agora sua esposa.
-Procurem-na, procurem-na - dizia o rei desesperado.
    Acabaram por encontrá-la doente, estendida na cama, quase morta e chorando, chorando..
    Vieram médicos e sábios, mas ninguém conseguia curar a jovem que já mal tinha forças para sair da cama.
    Abatido e desgosto, o rei já não sabia o que fazer para salvar a sua mamada. Foi então Que pediu para falar ao jovem apaixonado um velho prisioneiro que também viera das terras do Norte. E disse que sabia como curar a princesa.
    Entre desconfiado e esperançoso, rei deixou que o velho falasse com a enfraquecida princesa.
    O velho era um poeta e começou a falar-lhe das recordações e saudades que ambos sentiam das suas terras do Norte. A Bela princesa do Norte abriu os olhos e sorriu. E a esperança a esperança voltou do coração do mouro.
     O poeta disse ao rei como podia fazer voltar a alegria à sua amada. Falou-lhe da neve que cobria os campos e caminhos lá ao norte e explicou-lhe que a princesa sentia a falta desse manto branco por onde costumava passear o seu olhar. Aconselhou o pequeno rei a mandar plantar muitas e muitas amendoeiras pois estas, ao florirem, dariam a ilusão de que a neve cobria os campos.
    O rei assim fez e algum tempo depois ele próprio acompanhou a princesa para que ela olha-se os campos frente à sua janela.
    -Neve! A minha querida neve!
    O lindo sorriso e as juras de amor foram o agradecimento.
    Ambos estavam felizes e o reino encheu-se de amendoeiras com flores brancas que davam à bela nórdica a ilusão de estar na sua terra Natal. 
                            



   O BURRO E O AZEITEIRO

Era uma vez um homem que vendia azeite pelas feiras. Tinha um burrinho muito manso e em cima dele punha as bilhas cheias de azeite. Lá iam pelos caminhos de feira em feira.
    Uma vez aconteceu que iam pelo mesmo caminho dois estudantes. Os rapazes não levavam dinheiro nem para comprar um pão. Quando viram o azeiteiro, esconderam-se e depois seguiram atrás do burro. Com muito cuidado, tiraram a cabeçada do burro e a carga que ele levava. O azeiteiro, entregue aos sues pensamentos, não deu por nada e continuou a arrastar a corda com que prendera o animal.   
    Entretanto, um dos estudantes tinha tomado o lugar do burro e parou, fazendo que o homem também parasse. Ao olhar para trás, o pobre azeiteiro ficou pasmado: no lugar do burro estava um homem!
    Com uma voz muito mega o rapaz disse:
    Ah! senhor, quanto lhe agradeço por me ter dado uma pancada na moleirinha! Assim quebrou o encanto que me tinha transformado em burro.
     Sem estender o que se tinha passado, o azeiteiro não parava de pedir desculpas ao rapaz por lhe ter batido muitas vezes porque era teimoso. Lá soltou o estudante e segui o seu caminho, lamentando a pouca sorte que lhe fizera perder o burro!
    Quando chegou à feira, começou a procurar um animal que pudesse carregar as bilhas de azeite. E logo viu um que era mesmo igual ao que o acompanhara durante tanto tempo.
    Desconfiado, o azeiteiro mirou e remirou o burro. Já não tinha dúvidas, aquele era o burro que não era burro e podia passar a ser homem de um momento para o outro. Aproximou-se mais do animal e disse baixinho:
    -A mim não me enganas tu! Quem não te conhecer que te compre!
    E lá se foi pela feira à procura de um burro que fosse mesmo burro.





 A MOURA SALUQUIA

Conta a lenda que nas velhas terras de Trás Os Montes, no tempo dos mouros, vivia uma bela jovem chamada Salúquia, prometia em casamento a um poderoso guerreiro mouro. Nas noites de luar a, jovem cantava e encantava os homens que a escutavam. E isso aconteceu a um moço cavaleiro cristão que ficou enamorado pela jovem. Desde essa noite, o cavaleiro cristão só pensava em  Salúquia. Queria vê-la e falar-lhe.
    Enfrentando todos os perigos, o jovem desfardou-se de mouro para tentar se aproximar da bela moura. Conseguiu entrar no castelo onde  Salúquia vivia e encontrou-a nos jardins.
    Assustada pela presença de um desconhecido que não parava de dizer que a amava, a jovem moura só conseguia responder que estava noiva de um guerreiro escolhido pelo seu pai. Mas as palavras e os olhos doces do cristão prenderam a jovem. o cavaleiro afastou-se, mas não parava de dizer:
    - Eu voltarei! Eu voltarei.
    Entretanto no meio dos cristãos, corria a noticia de que o temido guerreiro, noivo de Salúquia vinha a caminho para levar a jovem. logo se preparou um ataque ao castelo que se resistia  às  armas da cristandade.
Os guerreiros iriam disfarçados de mouros e ao cavaleiro apaixonado couve vestir-se como se fora prometido noivo de Salúquia.
Depois de violenta batalha, os cristãos venceram.
Tomada pelo pavor, a jovem moura só pensava em fugir. Mas para onde? Correu para a torre do castelo, mas notou uma figura que a perseguia. Pareceu-lhe que era o guerreiro que seu pai lhe destinara para marido.
Desesperada e pensando no seu apaixonado cristão, a jovem subiu à torre, sem reconhecer o doce cavaleiro que não deixava de a chamar:
-Salúquia, Salúquia, sou eu que te venho buscar!
Mas Salúquia só via nessa figura o noivo que o pai lhe tinha imposto e respondia:
-Prefiro morrer!
Do alto da torre mais alta se atirou a bela moura.
Diz a lenda que uma branca que Salúquia dera ao cristão logo se desfez em sangue.





O BURRO EM PELE DE LEÃO
 
Quebrando a peia,
Fofo sendeiro
Fugiu ao dono,
Que era moleiro;
Dentro de um bosque ,
O fanfarrão
Achou a pele
De alto leão.
 
Em toda a parte
Dela vestido
Por leão fero
Era temido;
Homens e brutos
O respeitavam,
Fugiam logo
Que o divisavam.
 
Mas da orelhas
Uma pontinha
De fora ao burro
Ficado tinha;
Foi vista acaso
Pelo moleiro,
Que julgou logo
Ser o sendeiro.
 
Indo-lhe ao lombo
Com um cajado,
Puniu o arrojo
Do mascarado;
Do tolo rindo,
Despiu-lhe a pele,
Pôs-lhe uma albarda
E montou nele.
 
Tal entre os homens
Mil se conhecem,
Os quais são uns,
E outros parecem.
Despem-lhe a pele
Que os faz troantes,
Ficam sendeiros
Como eram dantes.
    



OSSOS DO OFICIO

Um vez uma besta do Tesouro
Uma besta fiscal,
Ia de volta para a capital
Carregada de cobre ,prata e ouro,
E no caminho,
Encontra-se com outra carregada
De cevada
.Que ia para o moinho.
 
Passa-lhe logo adiante
Largo espaço,
Coleando arrogante
E a cada passo
Repicando a choquilha,
Que se ouvia distante.
Mas salta uma quadrilha
De ladrões,
Como leões,
E qual mais presto
Se lhe agarra ao cabresto.
Ela reguinga e dá uma sacada,
Já cuidando
Que dispersava o bando;
Mas, coitada!
Foi tanta a bordoada,.
Que exclamava enfim
A besta oficial:
«Nunca imaginei tal!
Tratada assim...
Uma besta real!
Mas aquela, que vinha atrás de mim,
Porque a não tratais mal?!
-Minha amiga, cá vou no meu sossego:
 Tu tens um belo emprego;
Tu sustentas-te a fava, e eu a troços;
Tu lá serves EL-Rei, e eu um moleiro;
Eu acarreto grão, e tu dinheiro:
Ossos do ofissio... que não há sem ossos



                        O RATO
Das curvas unhas de terrível gato
Por milagre escapando-se ligeiro,
No atulhado armazém de um merceeiro
Foi asilo buscar pequeno rato.
 
Pilha de seis de fundo e vinte de alto
De queijos parmesões subia ao tecto,
E atraído de cheiro tão selecto,
Lá trepa o fugitivo em salto e salto.
 
Num queijo que à parede mais se unia,
Lá começa a roer, e em pouco espaço
Um  buraco enlapou, que nada escasso
Cubículo e sustento lhe exibia.
 
Ora dormindo, ora manducando,
Ali vive tranquilo e sem cuidado.
«Do mundo -diz - estou desenganado,
E quero ir minhas culpas expiando!»
 
Que me dizes, leitor, ao tal ratinho?
Assim vivendo à custa dos patetas,
Nesses conventos regalões roupetas
Da salvação procuram o caminho.






 O LEÃO

Uma ovelha, uma cabra e uma novilha
    Trataram c'um leão
    Fazer igual partilha
Da caça que apanhasse no sertão.
  Um veado caiu
No laço que armou a cabra esperta.
Mandou ela chamar os associadas;
    Veio o leão, rugiu,
Fez do preso animal quatro bocados,
    E disse: «A conta é certa;
    Pertence-me o primeiro.
    por me chamar leão;
    O segundo quinhão,
    Também, por ser valente.
E se alguém tocar no quarto,
Dá-me um banquete mais farto...
Prova-me as garras e o dente!»



O LEÃO E O MOSQUITO
 

Vai-te, insecto mesquinho e vil na terra!»
        Depois de assim ter dito
        O leão ao mosquito,
Este lhe declarou cruenta guerra:
«Pensas tu que por seres rei dos bichos
        Tua audácia tolero?
Mais força tem o boi e, quanto quero,
        Sujeito-o a meus caprichos!»
        Diz, e toca a avançar;
foi o herói e o trombeta na batalha.
Zumbe em torno ao leão, tanto o atrapalha,
        Que o faz desesperar
        Ao longo põe-se um pouco;
Depois, salta-lhe em cima do cachaço
        E torna-o quase louco.
A fera c´o rugido atroa o espaço.
De ouvir o horrendo grito
Seus ecos prolongar atroadores,
Tremem os animais dos arredores;
Tudo obra de um mosquito!
O insecto pequenino, ousado e pronto,
Ora ao dorso lhe salta,
Ora as ventas lhe saltava.
A raiva do leão sobe de ponto:
Co´a cauda açoita os flancos,
Com o olhar de ameaça
E, rugindo duríssimo arrancos,
com as garras a si se despedaça,
Té que, de fatigado,
Cai, fica estatelado!
O insecto de combate sai com glória,
A mais alta e completa,
E na mesma trombeta
Em que a avança tocou, cantou vitória,
Mas, proclamando ao mundo esta façanha
Não vista e desmedida,
Na teia duma aranha
Cai, fica embaraçado e perde a vida!
 
 A fábula vos diz que os inimigos
 Nunca deveis considerar somenos;
 E que pode o que escapa a grandes p´rigos
  Não poder escapar aos mais pequenos



O LEÃO QUE VAI À    GUERRA

Tendo o leão na ideia certa empresa
        Fez conselho de guerra;
E a todos animais mandou aviso
        Por seus régios alcaides
Cada um por seu teor, entrou no alvitre;
        Ás costas o elefante
Levar quantos petrechos importasse,
        E pelejar, como usa,
Para os assaltos, o urso aparelhar-se;
        Engenhar-se o raposo;
A ter inteligências no inimigo,
        E diverti-lo o mono
Com suas mogigangas. Alguém disse
        Que despedidos fossem;
Por boto o burro e por medrosa a lebre.
        «Oh. não! - Disse o monarca -
Quero emprega-los; nem completo fora
        Sem eles nosso exercito
De trombeta, que espante, sirva o burro  
        E a lebre de correio.»
Do mais ténue vassalo o rei prudente
        Tira proveito sabe;
Todo o talento emprega; nada é inútil
        Onde o bom senso lavra





O BÊBADO

Nem medo nem vergonha contrariam
A natural tendência.
O conto que se segue
Tem, neste caso, a marca da evidência.
Um devoto de Baco arruinava-se
Por causa da goela;
De força andava de baldo, e de pecúnia...
Nem sombras na escarcela.
Um dia em que perdera a tramontana
Bebendo a bom beber,
Numa espécie de tumba
Fê-lo a esposa meter.
Quando ele, enfim, saiu da raposeira,
Viu todos os sinais que indicam a morte,
A lâmpada, a mortalha...«ó Deus, que é isto?...
Fiz viúva a consorte?»
Esta, em trajes de Parca disfarçada,
Do marido se abeira:
«Quem és?» - « Eu sou da lúgubre morada
A eterna despenseira.
Dou de comer à farta aos que repouso
No reino escuro têm.»
E o marido a bradar muito aguçoso:
«E que beber, não vem?»
 
                                       
 
 
O LOBO E O GROU

Vendo -se o lobo engasgado
C'um osso, e muito oprimido,
Para o tirar, aos mais brutos
Foi cometendo partido.
 
Persuadido o grou c'os juras,
O dilatado pescoço
Pela goela do lobo
Meteu, e tirou - lhe o osso.
 
Pedindo - lhe o prémio: «Ingrato -
Disse - que te hei - de pagar?
Não te basta de meus dentes
Salvo o pescoço tirar?»
 


O pássaro prisioneiro
Na gaiola empoleirado,
Um mimoso passarinho
Trinava brandos queixumes
Com saudades do seu ninho.
«Nasci para ser escravo
(Carpia o cantor plumoso),
Não há ninguém, neste mundo,
Que seja tão desditoso.
Que é do tempo, que eu passava,
Ora descantando amores,
Ora brincando nos ares,
Ora pousando entre flores?
Mal haja a minha imprudência,
Mal haja o visco traidor;
Um raio, um raio te abrase,
Fraudulento caçador!
Em que pequei? Porventura
Fiz-te à seara algum mal?
Encetei, mordi teus frutos,
Como o daninho pardal?
Agrestes incultas plantas
Produziam meu sustento,
Inútil aos que se prezam
Do alto dom do entendimento...
Do entendimento! Ah malignos!
Vós, possuindo a razão,
Tendes de vícios sem conto
Recheado o coração.
Ah! Se a vossa liberdade
Zelosamente guardais,
Como sois usurpadores
Da liberdade dos mais?
O que em vós é um tesouro,
Nos outros perde o valor?
Destrói-se o jus do oprimido
Pela força do opressor?
Não tem por base a justiça,
Funda-se em nossa fraqueza
A lei, que a vós nos submete,
Tiranos da Natureza.
Em ofensa das deidades,
Em nosso dano abusais
Da primazia, que tendes
Entre os outros animais.
Mas ah triste! Ah malfadado!
Para que me queixo em vão?
Que espero, se contra a força
De nada serve a razão?»
Aqui parou de cansado
O volátil carpidor;
Eis que vê chegar da caça
O seu bárbaro senhor.
Trazia encostado ao ombro
O arcabuz fatal, e horrendo,
E alguns pássaros no cinto,
Uns mortos, outros morrendo.
Das penetrantes feridas
Ainda o sangue pingava,
E do cruento verdugo
As curtas vestes manchava.
O preso vendo a tragédia,
Coitadinho, estremeceu,
E de susto, e de piedade
Quase os sentidos perdeu.
Mas apenas do soçobro
Repentino a si tornou,
Cos olhos nos seus finados
Estas palavras soltou:
«Entendi que dos viventes
Eu era o mais infeliz:
Que outros têm pior destino
Aquele exemplo me diz.
Da minha sorte já agora
Queixas não torno a fazer:
Antes gaiola que um tiro,
Antes penar que morrer.»
 
 
 
O Lobo e a Ovelha
Uma ovelha em tempo antigo
Estreita unido travou
Cum lobo: não sei que santo
Este milagre operou.
Esqueceu-se do rebanho,
Do guardador se esqueceu,
E em companhia do amigo
Pelos matos se meteu.
Ali a que dantes era
Qual mansa pomba sem fel,
Pelo exemplo estimulado,
Aprendeu a ser cruel.
Apenas lhe parecia
Ter feito já digestão,
Eis pronta a comadre ovelha
Para a sanguínea função.
Se, vendo as preias não tinha
O valor de arremeter,
Ao menos, depois de mortas,
Nelas entrava a roer.
Contemplando o fero mestre
No pervertido animal
Os progressos, que fazia
A sua escola brutal,
De prazer, e de vaidade
Lhe pulava o coração
E tinha à sua educanda
Cada vez mais afeição.
Mas um dia em que esfaimado
Saiu com ela caçar,
Nem rasto do que buscava
Pôde ao menos encontrar.
Montes, vales, bosques, tudo
Farejou, subiu, correu,
Enfim, só farto de vento,
Na cova se recolheu.
Coseu-se à terra esfalfado,
E depois se repousou
Para a débil companheira
Os cruéis olhos lançou.
«Quê! (disse o mau lá consigo)
Não há sofrimento igual!
Hei-de curtir esta angústia,
E morrer por ser leal!
A natureza me instiga,
E devo dar-lhe atenção:
Está primeiro que tudo
A própria conservação.
Tu, virtude, és atributo
Dos homens, dos racionais;
Não me pertences: eu sigo
Meu instinto, e nada mais.»
Nisto, veloz como um. raio,
Coa pobre ovelha investiu,
E logo dentes, e garras
Nas entranhas lhe sumiu.
Com trémula voz pergunta
Ao desleal a infeliz:
«Porque me tiras a vida,
Ingrato, que mal te fiz?
Que lei o rigor te ordena
A que eu motivo não dei?»
E ele sôfrego responde:
«Tenho fome, a fome é lei.»
Destarte cevando a fúria,
Não cessou de lacerar,
E, antevendo alguma urgência,
Os ossos nus foi guardar.
Vede, mortais, neste exemplo,
Exemplo cheio de horror,
O que produz a aliança
De um perverso, de um traidor.
Se os maus tiverdes por sócios,
Eu fico que os imiteis,
E que lobos desta castaOu cedo, ou tarde encontreis.

 

 

                                   
           MACACOS



      Era uma vez um rei que tinha três filhos e cada um deles se achava com mais direitos ao trono do pai do que qualquer dos irmãos. Então o rei mandou que fossem correr o mundo e depois daria o trono ao filho que lhe trouxesse a melhor prenda.
Os rapazes lá partiram por diferentes caminhos, mas todos em busca de prendas valiosas que lhes garantissem a posse do reino.
O mais velho encontrou uma espada de outro e logo regressou a casa, conforme combinara com os irmãos.
O segundo encontrou um ramo de ouro com uma coroa, também de ouro, tudo do ramo de uma mesma árvore. Tal como o irmão, regressou a casa convencido de que o reino seria seu.
O mais novo caminhou, caminhou muito, mas não conseguiu encontrar nada para oferecer ao pai.
Um dia chegou a uma cidade onde só haviam macacos e muitos estavam sentados à mesa diante das melhores iguarias. Vieram ter com o príncipe duas macacas., uma velha e outra jovem, que o fizeram sentar e comer com os macacos. Quando o jovem príncipe acabam de comer, a macaca velha ofereceu-lhe uma avelã.
Logo depois apareceu uma bela carruagem para onde subiram o príncipe e as duas macacas, acompanhados por uma comitiva de macacos armados. Assim regressaram ao palácio do rei onde já se encontravam os outros irmãos.
Todos estranharam a presença dos macacos, mas deixaram que entrassem no palácio.
Quando chegou a altura de entregar as prendas, o príncipe mais novo estava muito envergonhado devido à insignificância da sua oferenda e à companhia dos macacos, tanto mais que a macaca jovem não saia de junto dele.
O rei elogiou as prendas dos filhos mais velhos, mas, quando pegou na avelã, a macaca mais velha disse que o rei a deveria abrir por suas próprias mãos.
Admirado com o pedido, o rei assim fez e no momento em que abriu a avelã, a macaca mais nova transformou-se numa linda princesa e da avelã saíram sete magnificas coroas de ouro.
No mesmo instante, a comitiva de macacos tornou-se num exército de garbosos soldados.
Avaliando as várias prendas, orei ia tomar a sua decisão.
Reconhecida que a melhor prenda era aquela que lhe trouxera o filho mais novo, mas não seria ele a herdar o trono porque já tinha os sete reinos da princesa macaca a quem quebrara o encanto por ter chegado com ela até junto do seu pai. Também não seria o trono para o filho do meio porque este já tinha a sua coroa de ouro. O herdeiro seria pois o filho mais velho que lhe tinha trazido a espada de ouro.
Todos ficaram contentes e o príncipe mais novo casou com a princesa que tinha sido macaca e agora era uma linda jovem apaixonada por aquele que lhe quebrara o encanto.
Foram felizes para sempre.



    A LENDA DOS TRÊS RIOS
Diz a lenda que três ribeirinhos alegres e saltitantes queriam ver o mar e um dia resolveram meter-se a caminho.
    -Partimos logo de manhã muito cedo - disse um deles.
    -Partimos antes do nascer do Sol - disse o outro.
    -E vamos ver qual de nós chega primeiro ao mar - disse o último.
    O luar brilhava nas águas adormecidas dos três ribeirinhos.
 
    No outro dia, o primeiro a acordar bocejou, agitou as águas e pensou:
    -Partirei já e assim serem o primeiro a chegar!
    O ribeirinho que sempre ouvira chamarem-lhe Tajo deixou-se escorregar pela montanha. Como era um ribeirinho muito alegre saudava os povoados e as gentes;  a todos dizia adeus e informava:
    -Vou a caminho do mar; tudo é muito lindo, mas eu quero ver o mar. Adeus, adeus.
    Brincava com as raparigas que lavavam a roupa nas suas águas claras, escolhia os caminhos mais belos entre pinheiros, oliveiras e pomares. Aos ribeirinhos que encontrava dizia sempre:
    -Vou para o mar! Venham comigo! Vamos para o mar!
    E muitos abraçavam aquele ribeirinho aventureiro . Cada vez mais forte, o Tajo seguia feliz e encantado com as terras que banhava.
    Um dia, uma menina que brincava com as ondas pequeninas chamou-lhe Tejo e ele gostou do novo nome.
    -Tejo serei para quem me veja.
    E para os pescadores, ele ficou a ser o Tejo que lhes dava o sustento de cada dia. Para os lavradores, ele é o Tejo que lhes rega as terras.
    Calmo e divertido, o Tejo chegou ao mar entrou nele de braços abertos. Ali estava, azul e refrescante, o mar que procura por tão longo caminho.
    Entretanto, tinha acordado outro ribeirinho, aquele que se habituara a que lhe chamassem Ana e sabia que outros que davam o nome de Uadi-Ana, ou seja, Rio Ana.
    Ainda ensonado, não sabia bem qual o melhor caminho para chegar ao mar. Ora corria para um lado, ora mudava para outro. mas sabia que o desejo mar se encontrava para sul.
    E lá seguia, entre terras baixas e secas; mais tarde entre rochedos queimados pelo sol.
    Apercebeu-se então de que o povo o chamava por um novo nome. Agora, para todos, ele era o Guadiana.
    Fez amizade com o Caia e Degebe, uns ribeirinhos tímidos que também queriam ver o mar e se juntaram a este novo amigo.
    Um dia, assim em boa união, encontraram o mar, um mar bem azul e águas tépidas e límpidas. O bom do rio Guadiana mergulhou no Oceano Atlântico feliz como uma criança que brinca na areia.
    Mas não era ele o primeiro a encontrar o Oceano pois o Tejo, que saíra mais cedo, mais cedo encontrara o mar.
    Enfriorado e dorminhoco, o terceiro ribeirinho só acordou quando o sol já tinha acordado há muito tempo.
    -Estou atrasado! Já é muito tarde! - pensava o ribeirinho ensonado.
    Lembra-se de que lhe tinham chamado Durius, mas agora as gentes que o olhavam e lhe chamavam Duero. Corria por terras baixas e secas onde se demorava a observar os campos cultivados.
    Mas não deixa de pensar
    -Vou ser o último! É preciso correr!
    E partiu de abalada  esgueirando-se por corredores pedregosos saltando rochedos, correndo apressado, cada vez mais apressado.
    Nas suas margens subiam encostas cobertas de vinhedos com folhas verdes na Primavera e folhas douradas no Outono, escondendo pesados cachos de uvas maduras.
    -Quero chegar ao mar, mas vou ser o último, já sei, vou ser o último! -
 
Por isso, o Douro que também é Duero e já foi Durius, acabou por seguir o caminho mais agitado.
 

A CIGARRA E A FORMIGA

Tendo a cigarra em cantigas
Folgado  todo o Verão,
Achou-se em penúria extrema
Na tormentosa estação.
 
 
Não lhe restando migalha
Que trincasse, a tagarela
Foi valer-se da formiga,
Que morava perto dela
 
 
Rogou-lhe que lhe emprestasse,
Pois tinha  riqueza e brio,
Algum grão com que manter-se
Té voltar o aceso Estio.
 
 
«Amiga - diz a cigarra -
Prometo, À fé de animal,
Pagar-vos antes de Agosto
Os juros e o principal.»
 
 
A formiga nunca empresta,
Nunca dá, por isso junta.
« No Verão em que lidavas?»
À pedinte ela perguntou.
 
 
Responde a outra: « Eu cantava
Noite e dia, a toda a hora:
-Oh, bravo - torna a formiga
Cantavas? Pois dança agora!»






O VELHO E A MORTE

Um miserável velho se afligia
Com um feixe de lenha que trazia:
Jogou com ele ao chão, já de cansado,
E chamou pela Morte, agoniando.
 
Aparecendo-lhe esta, perguntava
Com que fim tão solícito a chamava.
«Rogo-te - disse o velho, de mãos postas -
Que me ajudes a pôr feixe ás costas.»
 





O GALO E A PÉROLA 

Um galo achou num terreiro
Uma pérola, e ligeiro
Corre a um lapidário e diz:
«Isto é bom, é de valia,
De milho um grão todavia
Era achado mais feliz.»
 
Um néscio ficou herdeiro
De um manuscrito, e a um livreiro
Vai à pressa e fala assim:
«É bom, é livro acabado,
Concordo, mas um ducado
Valia mais para mim!»





O LOBO E O CÃO
 
Não tinha um lobo mais que a pele e o osso.
Sinal é que, de orelha arrebitada,
Bem vigilante andava a canzoada.
Encontra o lobo um dogue forte, grosso,
Nutrido, luzidio, uma beleza!
Que distraído abandonara a estrada.
Sorri-lhe a nédia presa.
 
Saltar-lhe lobo ali, fazê-la em postas
O seu desejo fora. Dura empresa!
A luta era infalível! Voltar costas
Não usam perros quando são valentes,
E, mais, os brutos! , dão às vezes cabo
Do fero contendor! Diabo! Diabo!
Então aquele, com aqueles dentes!
Humildade o lobo, pois, encolhe a cauda;
Chega-se ao cão; abaixa-lhe a cabeça;
Puxa conversa; diz que folga em vê-lo,
Que deixe que ele admire, que ele aplauda
Topá-lo assim… e com tão bom cabelo!...
E rijo! E gordo! Um frade! Uma abadessa!
 
«Esplêndido senhor – o cão responde –
De vós depende o ter igual gordura.
Fugi dos bosques, onde
Por teima da desgraça,
De fome e frio só achais fartura,
Vós, senhor lobo, e a vossa pífia raça.
 
Dias e dias sem comerem nada!
E lá por festas raras, esquecidas,
Um petisquinho conquistado à espada,
Tragado às escondidas!
Aí é certa a morte!
Segui… segui meus passos;
Tereis outro destino e melhor sorte.
- Mas como? – volve o lobo. -
  Fazer então que devo? – Bagatela:
Nem morte de homem, nem de igreja roubo;
Simplesmente estas coisas: não ter trégua
À santa gente rota, mendicante,
Bordão numa das mãos, noutra a tigela,
Que vem inda a distância duma légua 
E já tresanda a essência de tratante.
Lamber as mãos ao dono; ser submisso…
Dar coca – é o termo próprio – ao dono e a todo
Quando bicho-careta houver em casa.
Salário apanhareis que vos apraza:
Ossos das aves, rodas de chouriço,
Restos vindos da mesa, e tudo a rodo!
Até uns tagatés em cima disso!»
 
Tendo prestado ao cão atento ouvido,
O lobo, coitadinho! ,
Com perspectiva tal enternecido,
Não fugiu nem mugiu, mas fez beicinho!
Iam caminho já do provado,
Quando o lobo notou que no pescoço
O cão era pelado!
«Que tens aí? – pergunta em alvoroço.
- Nada, que eu sabia. – Nada?! – Frioleira!
- Mas afinal o que é? – Ora!... a coleira,
Com que à noite me prendem junto à porta…
- Prender-te?! – o lobo exclama. Não saias fora,
Não corres livre pela terra inteira
Quando te dá na gana, e a toda a hora?
- Nem sempre. Isso que importa?
- Tanto importa, que toda a trincadeira
Com que me acenas, um tesouro embora,
Por tal preço não quero!»
O lobo finda,
Põe-se logo na perna, e corre ainda!


OS POMBOS

Amavam-se dois pombos ternamente
Com suave meiguice e amor profundo.
Um deles - que loucura! - de repente
À casa toma tédio, quer ver mundo.
 
«Que vais fazer? - diz-lhe então
Já saudoso o companheiro.
Medita, pensa primeiro,
Assim deixas teu irmão?
Ninguém duvida que a ausência
É dos males o maior;
Não para ti!... Só se for
Que os trabalhos, a inclemência,
E essa jogada o p'rigo,
Que pretendes arrostar,
Possam teu peito mudar
Em peito bondoso, amigo.
Se mais perto a Primavera
Sorrisse alegre, então... vá!
Quem te obriga a partir já?
espera o zéfiro, espera.
Há pouco um sinistro corvo
Crocitou, e à nossa raça
Agoirou muita desgraça
Em tom profético e torvo.
Só nas coisas infelizes
Doravante pensarei;
Em redes, falcões, que sei?...
Tiros, flechas e boízes.
Ah! - direi quando chover:
Meu pobre irmão, coitadinho,
Terá ceia, terá ninho,
E tudo o que é mister?»
 
Esta linguagem branda e cheia de bondade
Enternecê-lo faz;
Teve porém mais força a indómita vontade
Do viajante audaz.
 
«Não chores; três dias bastam-me
- Já vês que é curta a demora -
Para matar este férvido
desejo que me devora.
Quando voltar, com que júbilo
referirei por miúdo
Aventuras, episódios,
incidentes, tudo, tudo!
Quem pouco vê, é certíssimo,
Que pouco pode contar.
Eu te direi que em tal época
Achava-me em tal lugar,
E tu, enlevado, extático,
De me ouvir falar assim,
Hás-de julgar - asseguro-te -
Que estavas ao pé de mim.»
 
Assim falou, e em pranto de soluços
Despediram-se os dois. o viajante
A jornada começa. Não distante
Da casa, que fugira, carregada
Ergue-se no ocidente escura nuvem
Que em chuva se desata, e o peregrino
Corta os ares em louco desatino,
Um albergue buscando, uma pousada.
Negro tronco, de folhas quase nu,
Se lhe depara então. Voa ligeiro,
E mal pôde encontrar de triste ulmeiro
Entre a folhagem rara asilo pobre.
Depois, quando outra vez se anila o céu,
Frio, molhado sai do humilde abrigo,
Enxuga as penas, parte, e muito trigo
Espalhado no campo além descobre.
 
Outro pombo vê perto, e sem detença
Dirige-se p'ra lá.
E quando cuida mais, quando mais pensa
Gozar com seu igual ventura imensa,
Num laço preso está,
Que por mão ardilosa, enganadora,
Por debaixo do trigo armado fora.
 
O laço era já velho. O prisioneiro
Esforça-se, porfia, teima, luta;
De tal forma trabalha
Co'as asas, bico e pés, que enfim consegue
Quebrá-lo, ver-se livre, muitas penas
Deixando na batalha.
 
Mas a fortuna má, que o segue, e nutre
Contra o pombo infeliz ódio estranhado,
Já lhe mostra nos ares um abutre,
Que voraz, esfaimado,
Mal o avista, a vontade sente acesa
De lhe deitar a garra e fazer presa.
 
E o mísero, que traz restos de guita
A corta-lhe inda os pés,
Um galeote, um criminoso imita
Fugindo das galés.
 
Eis que porém naquele mesmo instante,
Batendo asa asas longas,
Das nuvens arremessa-se gigante
Uma águia, e sem delongas
Trava-se entre os ladrões rude peleja
Por lograr cada qual o que deseja.
 
O pombo, como terceiro,
Aproveita do combate;
Ergue o voo, e só o abate
Quando encontra um pardieiro,
De seu bárbaro destino
Julgando o pobre animal
Que a peripécia final
Era este caso mofino.
Mas um rapaz turbulento
- Não tem compaixão a infância -
Uma pedra com tal ânsia
Lhe envia, que sem alento
Quase o deixa. Maldizendo
A sua curiosidade,
vai para casa gemendo,
Meio coxo, meio morto,
E sem outra novidade
Chega do ninho ao conforto.
 
 



O BURRO E O DONO

O burro de um hortelão
À sorte se lamentava.
Dizendo que madrugava
Fosse qual fosse a estação,
Primeiro que os resplendores
Do sol trouxeram o dia
«Os galos madrugadores -
O néscio burro dizia -
Mas cedo não abrem o olho.
E porquê? Por ir à praça
C'uma carga de repolho,
Um feixe de aipo, ou labaça,
Alguns nabos e b'rigelas;
E por estas bagatelas
Me fazem perder .....
 

O RATO DO CAMPO E DA CIDADE

Convida, uma vez, ratinho
Mui galante e cortesão,
Certo arganaz montesinho
As sobras dum perdigão
 
Em guedelhudo tapete
Luz o esplêndido talher.
São dois, mas valem por sete.
Que apetite! que roer!
 
Foi folgança regalada;
Nada inveja um tal festim.
Senão quando, na malhada,
Pilha-os súbito motim.
 
Passos à porta da sala...
Param os nossos heróis.
E o terror, que pronto os cala,
Lança em pronta fuga os dois.
 
Foi-se a bulha. Muito à mansa
Vêm-se chegando outra vez.
«Dêmos remate à folgança -
Diz o da corte ao montês.
 
-Nada. Mas vem tu comigo
Jantar amanhã; bem sei
Que lá não me gabo, amigo,
Desta vidinha de rei
 
Mas ninguém me turba  em meio
Do jantar; sobra o lazer.
E a Deus. Figas ao prazer
Que pode aguar o recreio.»
 




A RAPOSA E AS UVAS

Contam que certa raposa,
Andando muito esfaimada,
Viu roxos, maduros cachos
Pendentes de alta latada.
 
De bom grado os trincaria,
Mas sem lhes poder chegar,
Disse: << Então verdes, não prestam,
Só os cães os podem tragar!>>
 
Eis cai uma parra, quando
Prosseguia o seu caminho,
E, crendo que era algum bago,
Volta depressa o focinho.



O LEÃO VELHO

Decrépito o leão, terror dos bosques,
E saudoso da antiga fortaleza,
Viu-se atacado pelos outros brutos,
Que intrépidos tornou sua fraqueza.
 
Eis o lobo c'os  dentes o maltrata,
O cavalo c'os pés, o boi co'as pontas,
E o misero leão,  rugindo apenas,
Paciente digere estas afrontas.
 
Não se queixa dos fados; porém vendo
Vir o burro, animal de ínfima sorte:
«Ah! vil raça-lhe diz-morrer não temo,
Mas sofrer-te uma injuria é mais que morte!»


O amante e a borboleta
Na solidão da alta noite
Que céus e Terra enlutava,
Lauro em seu curto aposento
Ao sono os olhos negava.
Em mesa, donde esparzia
Cândida vela o clarão,
Apoiava os frouxos braços,
E a turva face na mãos.
Tinha absorto o pensamento
Nos motivos do seu mal,
Nos desprezos de uma ingrata,
Nas venturas de um rival.
De quando em quando arrancava
Das entranhas vãos queixumes,
Já pedindo a Amor vingança,
Já pedindo a morte aos numes.
Leve borboleta entanto
Por entre os crebros suspiros,
Junto do lume ondeante
Vagueia em rápidos giros.
Ei-la de espaço em espaço
Roçando a flama luzente:
Dói-se, mas que evite o dano
Cego instinto não consente.
Cevando o fatal desejo,
Que à crua morte a conduz,
Vai, e vem, voa e revoa
Embelezada na luz.
Sussurro, que faz coas asas,
Quando nela a simples cai,
Os olhos amortecidos
Do terno mancebo atrai.
Olha o triste, e vê o efeito
Da luminosa negaça,
Contempla o crestado insecto,
Que já lânguido esvoaça.
Dor de ver naquele estado
Lhe penetra o coração:
Quem ama, franqueia o peito
Facilmente à compaixão.
«Onde vais, louca teimosa?
(Grita-lhe ele) encolhe as asas,
Torna em ti, não vês, não sentes
Que te destróis, que te abrasas?
«E tu com que jus (diz ela)
Me increpas porque me mato?
Ah! Se em teu siso estivesses,
Viras em mim o teu retrato.
Se te expões qual eu me exponho,
Se no mesmo caso estás,
Insano, porque não tomas
O conselho, que me dás?
Eu e tu vítimas somos
Da mais funesta loucura,
E esquecemos o perigo,
Pasmados na formosura.
Ardes nuns olhos, que adoras;
Eu nesta luz, que contemplo;
Argúi-te, ou não me arguas,
Emudece, ou dá-me exemplo.»
Profícua moralidade
Deve extrair-se daqui:
Ninguém reprove nos outros
O que não reprova em si.
 
 
O Corvo e o rouxinol

Vinha apontando a serena
Precursora do áureo Sol,
E entoava em selva amena
Um saudoso rouxinol
Maviosa cantilena.
A voz, que aos ares soltava,
A traía o coro alado,
Que em torno dele pousava;
Assim não fosse escutado
De um corvo, que ali morava.
Cego de inveja, e furor,
Detestando a melodia
Do namorado cantor,
Consigo mesmo dizia
O sinistro, o grasnador:
«Que este animalzinho encante
Tudo, apenas abre a boca,
E que eu afugente, espante
Com voz desabrida, e rouca
Quanto se me põe diante!
Aos homens no meu pregão
Infaustos anúncios mando
(Diz a vã superstição)
E tenho a certeza, em grasnando,
Ou pedrada, ou maldição.
A raiva em meu peito acesa
Com o que escuto se atiça
Sofrer vantagem é vileza;
Vou-me vingar da injustiça,
Que me faz a Natureza.»
Eis nisto o bruto agoureiro
Para o rouxinol caminha,
Mostrando-se prazenteiro,
E à delicada avezinha
Diz com modo lisonjeiro:
«Respira tanta doçura
O teu canto, que por certo
A branda a penha mais dura;
E assim de te ouvir de perto
Quero ter hoje a ventura.
Não fujas, cantor mimoso,
Não te assustes, continua.
Como o Céu te fez ditoso!
Que linda prenda é a tua!
Que voz! Que dom milagroso!»
Não tendes astúcia, que sonde
O projecto, que o malvado
Nas vis entranhas esconde,
Já da lisonja tentado,
O passarinho responde:
«Sejas bem-vindo, que assaz
Afortunado me aclamo
Em ver que atenção me dás;
Pousa aqui sobre este ramo,
E a teu cómodo ouvirás.»
«Vamos, de novo começa,
Que a teus sons o ouvido aplico...»
Torna o corvo, e se arremessa,
E o torto, negro bico
O pobrezinho atravessa.
Ele em tamanha aflição
Entra a carpir-se da Sorte,
E ao invejoso glutão
Diz, sentindo já da morte
As ânsias, a convulsão:
«Que fiz, que te obrigue a tanto?
Meigos amores suaves
Em doces versos eu canto:
Eu sou a glória das aves,
Eu sou dos bosques o encanto.»
Destarte pediu favor
O melhor dos passarinhas,
Porém foi vão seu clamor,
Que moendo-lhe os ossinhos,
Assim gagueja o traidor:
«Simples, vaidoso, insensato!
Devias ser mais remisso
Em produzir teu retrato:
Não te defendas com isso,
Que por isso é que eu te mato.»
 
 
As damas e a borboleta
Batendo as asinhas leves,
Matizadas de mil cores,
Ia veloz borboleta
Libar o suco das flores.
Anelante, cobiçosa,
Voou a ameno jardim,
E a flor, que tocou primeiro,
Foi o cândido jasmim.
Da bonina cor de neve
Esquivou-se, desdenhosa,
Praticando igual desprezo
Coa fragrante, idália rosa.
Sobre insípido, amarelo
Malmequer enfim pousou,
E nele o vivo apetite
A mitigar começou.
Não longe dali jaziam
Duas luminosas donzelas,
Tais que, a serem três, seriam
De Vénus as filhas belas
Tendo seguido coa vista
Os voos do lindo insecto,
Uma delas para a outra
Disse com iroso aspecto:
«Olha a brutinha! Bem mostra
De razão não ser dotada,
Deixa o jasmim, deixa a rosa,
E do malmequer se agrada!»
Ouviu isto a borboleta,
Fitou-lhe os olhos, e assim
Coa voz que teve algum dia,
Perguntou: – «Falais de mim?
Supondes extravagante
A escolha, que tenho feito?
Ah vaidosas! Que não vedes
Vosso principal defeito!
Despi, loucas, o amor-próprio,
E depois conhecereis
Que falais contra vós mesmas
No que contra mim dizeis.
Quem faz mais errada escolha
Que a mulher? Sendo a melhor
De todas as criaturas,
Sempre se inclina ao pior;
E só nutre, só conserva
Amor firme, ardente, e liso
Se encontra no objecto dele
O nome da flor que piso.»


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ESCRITO POR HELDER MOURA.